A Confederação Europeia de Sindicatos e a conciliação de classes









Alexandrino Saldanha*     07.Jul.09

“… Seria importante que a CGTP-IN – que esteve representada naquela Conferência e colocou a Declaração em análise no seu sítio da rede, tendo-a ainda distribuído pelos respectivos sindicatos sem qualquer comentário crítico –, tornasse também públicos os posicionamentos que defendeu na referida reunião, em relação a este texto da CES”.

A Confederação Europeia de Sindicatos (CES) realizou a sua Conferência de meio mandato, a 27 e 28 de Maio, em Paris, sob o lema “Combater a Crise”, onde aprovou a designada “Declaração de Paris”1 , documento bem revelador da opção pela conciliação de classes desta organização sindical e da defesa de uma UE como estado federal, mesmo sabendo que houve países a recusarem expressamente este caminho.

A CES constata que há uma crise mundial, que não caracteriza como crise do capitalismo, e entende este sistema como inquestionável, dentro do qual os trabalhadores devem travar a sua luta para o melhorar – e nunca para o superar.
Há naquela “Declaração” frases lapidares, que a seguir apreciamos.

I
1 – «Os cidadãos esperam que os seus governos desenvolvam acções do sector público e que os sindicatos estabeleçam o equilíbrio democrático que foi cedido aos mercados».

Para a CES, os governos dos países da UE – que, independentemente do rótulo sob que se apresentam (socialista, social-democrata, democrata-cristão, social-cristão, popular, conservador, ou uma mistura de vários), têm desenvolvido políticas de direita2 , neoliberais, ao serviço do capital – geram nos cidadãos a esperança de que «desenvolvam acções do sector público» a favor dos trabalhadores… (!?!).

E, ainda no entender da CES, também os cidadãos esperam que «os sindicatos estabeleçam o equilíbrio democrático que foi cedido aos mercados».

O que quer isto dizer? Tendo em conta que, antes, se refere no documento que «o forte aumento do desemprego é explicado pelo domínio do modelo económico neoliberal dos últimos 30 anos», parece poder concluir-se que o ideal da CES é voltar ao equilíbrio existente no final da década de 70 e início da década de 80 do século passado, época em que esse equilíbrio, pelos vistos, ainda não havia sido cedido aos mercados… – é a versão «sindical» do «ó tempo, volta p’a trás!».

A CES não deseja, pois, que os sindicatos lutem por uma alternativa ao capitalismo, com o fim da exploração individual do trabalho colectivo; quer sim que os governos da UE, os mesmos cujas políticas levaram à presente crise, desenvolvam «acções do sector público» e que os sindicatos estabeleçam «um equilíbrio democrático». Isto é, os sindicatos devem assumir uma co-responsabilização na gestão e manutenção do sistema, equilibrando-o, como contrapartida pelo eventual desenvolvimento de acções do sector público.

Vale a pena atentar na maior «acção do sector público» levada a cabo pelos governos da UE (e não só): a aplicação de milhões e milhões de euros dos contribuintes no sistema bancário, objecto de graves crimes económicos por parte dos banqueiros, com a nacionalização de brutais prejuízos, para salvar os bancos e entregá-los de novo aos privados, após a sua recuperação.

Para o mundo do trabalho, a «acção do sector público» é diversa: os governos e o patronato invocam a crise para justificarem inadmissíveis comportamentos anti-laborais e verdadeiros retrocessos civilizacionais, com consequências gravíssimas no dia-a-dia dos trabalhadores e dos povos – ataques ao direito do trabalho, com a «flexi-segurança», promovendo a liberalização dos despedimentos e visando destruir o direito, fundamental e inalienável, a um emprego estável; retirada ou diminuição de serviços públicos essenciais, que o Estado está obrigado a prestar, designadamente, na saúde, na educação, na justiça, ou na segurança social; redução do tempo de trabalho com perda da remuneração; agravamento dos despedimentos e do desemprego; diminuição dos salários e das pensões; retirada de direitos no âmbito do direito à reforma e à segurança social; incremento do trabalho precário, a tempo parcial e não declarado; e a lista continua.

De facto, a concepção subjacente à Declaração de Paris é a seguinte: sem o «domínio do modelo económico neoliberal», que existiu nos últimos 30 anos e onde «foi negligenciada a prudência a longo prazo em benefício da gula e da especulação», viva o sistema capitalista.

Sabendo-se que esta matéria tem sido profundamente analisada, estudada e reflectida pelo movimento operário – já em meados do século XIX, Marx sublinhava que as crises do capitalismo eram cíclicas, repetitivas e inevitáveis – a CES assume conscientemente uma clara posição reformista, de colaboracionismo com a ideologia burguesa.

2 – «A CES exige que «nunca» mais se permita que o capitalismo financeiro possa infligir uma crise comparável ao mundo, à Europa e aos trabalhadores, e que nunca mais as crescentes desigualdades recebam o apoio, a indiferença ou a negligência dos governos democráticos»

Aqui, a CES finge ignorar que, hoje, na fase imperialista do capitalismo, com a dominação universal da oligarquia financeira, os «governos democráticos» são uma emanação dessa oligarquia. Assim, pretender que tais governos não dêem apoio, ou que não fiquem indiferentes perante as crescentes desigualdades equivale a «dar a guarda do ouro ao bandido».

O problema central não é de «regulação», pois enquanto se permitir que o resultado do trabalho social seja apropriado individualmente, a essência do sistema impõe uma cada vez maior concentração da riqueza nas mãos de poucos à custa do empobrecimento da grande maioria, com a inevitabilidade das crises.

A actual crise não é, assim, apenas uma crise do sistema financeiro e do dito modelo neoliberal, é uma crise de excesso de produção e de acumulação, é uma crise inerente ao modo de produção capitalista.

E só pode ser contrariada com a luta dos trabalhadores e dos povos, na perspectiva da construção de uma sociedade onde seja posto fim à exploração do homem pelo homem.

Sobre esta questão, vem a propósito citar extractos de dois textos.

O primeiro, retirado de um artigo de Albert Einstein, escrito para o primeiro número da revista “Monthly Review”, há 60 anos (Maio de 1949): “O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, quer devido à competição entre os capitalistas, quer porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho alentam a formação de unidades maiores de produção em detrimento das menores. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia do capital privado, cujo enorme poder não pode ser efectivamente controlado nem sequer por uma sociedade política democraticamente organizada. … Por outro lado, nas condições actuais, os capitalistas privados controlam, directa ou indirectamente, as principais fontes de informação (imprensa escrita, rádio, educação). É então extremamente difícil, e por certo impossível na maioria dos casos, que cada cidadão possa chegar às conclusões objectivas e fazer uso inteligente de seus direitos políticos”3 .

O segundo, de um clássico da nossa literatura, Eça de Queiroz, que, ainda antes daquele (no último quartel do século XIX), já tinha intuído idêntica evolução, quando escreveu: “Nas largas e bem traçadas estradas do Direito Internacional, alumiadas por Ortolan e outros lumes, rouba-se de carabina alta, e rompem a cada momento brados de povos assassinados. A Europa, como os campos de corridas em Inglaterra, devia estar coberta destes avisos em letras gordas: “Beware of pick pokets!” Cautela com os salteadores. A pequena propriedade política tende a acabar. Toda a terra vai em breve reunir-se nas mãos de quatro ou cinco grandes proprietários [adapte-se para ‘grandes capitalistas’]”4 .

3 - «A UE é a única que no mundo tem a capacidade de exercer uma acção directa e coordenada enquanto a maior entidade económica individual do mundo»
Apelar à UE, como um estado federal, numa perspectiva de luta contra a crise do capitalismo e a favor dos trabalhadores – sem pressupor e reiterar que só a luta persistente destes obrigará a que tal evolução se verifique – é iludi-los sobre as políticas defendidas pelos países que a constituem, designadamente pelo reaccionário eixo franco-alemão.

De facto, o mundo está confrontado com uma cada vez mais violenta ofensiva do capital e dos governos seus serventuários, contra os direitos e interesses dos trabalhadores e dos povos. Vive-se hoje a maior crise do capitalismo, na sua fase imperialista, desde a grande depressão de 1929. Mas este é o resultado do processo de globalização capitalista, com um rasto de destruição de direitos políticos, sociais e sindicais, num retrocesso civilizacional que se iniciou com a derrota dos países socialistas do leste da Europa e se agudiza permanentemente.
E não podemos ignorar que, no espaço europeu, a globalização capitalista se desenvolveu e desenvolve através do aprofundamento da União Europeia, numa perspectiva federal, neoliberal e militarista, à margem e ou contra a vontade dos povos que a constituem.

Um claro exemplo do que afirmamos é o facto de a esmagadora maioria dos governos não ter posto à consideração dos seus povos a aceitação ou recusa do chamado Tratado de Lisboa, anteriormente rejeitado pela França e Holanda, quando ainda era designado, de acordo com o seu objecto, de Tratado Constitucional. Em Portugal, o PS havia assumido o compromisso de o referendar, mas recuou nesse propósito e violou tal compromisso. Na Irlanda, tenta-se alterar o sentido de voto negativo, que o seu povo já expressou.

A invocação do «modelo social europeu» da UE é cada vez mais um eufemismo, destinado a iludir a realidade e a enganar os trabalhadores e os povos.

A realidade é que, com Maastricht, passando pela Estratégia de Lisboa, até ao processo de pressão e chantagem para impor o Tratado (constitucional) de Lisboa, a UE recuou sempre nos direitos sociais e tenta agora aprovar a Directiva Bolkenstein, a Directiva sobre a Organização do Tempo de Trabalho ou a chamada Directiva de Retorno, que persegue e criminaliza os imigrantes que aí procuram trabalho.

É a esta UE que a CES apela para exercer uma acção directa e coordenada «na luta contra a crise» e a favor dos trabalhadores, de «preservação da coesão social» (qual coesão?) e de «não redução da despesa pública e dos serviços públicos».

4 – «É tempo de reforçar a Europa e de restabelecer as suas ambições sociais»
Deixe-se passar a habitual manipulação de tentar identificar a Europa com a União Europeia…

Mas competirá aos sindicatos pretender reforçar a Europa da globalização capitalista, com as conhecidas e gravíssimas consequências para os trabalhadores e os retrocessos sociais que tal reforço potencia?

E restabelecer as ambições sociais de quem? De Angela Merkel? De Sarkozy? De Durão Barroso? De Sócrates? …

5 - «Mas o sindicalismo europeu deve aproveitar esta ocasião para alcançar uma sociedade melhor e mais equitativa e uma Europa social mais forte e mais integrada»

De tudo o que antes se analisou, resulta que os dois objectivos enunciados são contraditórios – com uma UE mais forte e integrada, a sociedade será pior, mais discriminatória e regredirá no campo civilizacional. Porque a integração europeia desenvolve-se no sentido da manutenção ad aeternum do capitalismo.

6 - «A solidariedade europeia enquanto protecção contra os excessos do capitalismo financeiro»

Esta é uma das cinco exigências da CES, onde o seu reformismo é muito claro: haja capitalismo financeiro, mas… não com excessos.

II

Dir-se-á que nada disto é novidade… E não o é.

Mas as organizações sindicais de classe não podem deixar passar em claro as teorizações e as correspondentes práticas reformistas, defendidas por outras organizações sindicais, designadamente, as internacionais, onde estão filiadas.

Sob pena de ficarem desarmadas perante a ideologia burguesa.

Por isso, seria importante que a CGTP-IN – que esteve representada naquela Conferência e colocou a Declaração em análise no seu sítio da rede, tendo-a ainda distribuído pelos respectivos sindicatos sem qualquer comentário crítico –, tornasse também públicos os posicionamentos que defendeu na referida reunião, em relação a este texto da CES.

III

A CES faz ainda um apelo à mobilização dos sindicatos para apoiarem esta Declaração e uma jornada de acção mundial da Confederação Sindical Internacional (CSI), a concretizar em 7 de Outubro de 2009.

Quando a CES ou a CSI convocam acções a nível europeu, ou mundial, é fundamental que os trabalhadores e as forças sindicais com orientação de classe – que continuam a acreditar que este sistema capitalista não é a solução final e que «um outro mundo é não só possível, mas necessário» – esclareçam as massas trabalhadoras sobre o papel reformista e conciliador destas Confederações Sindicais. E, designadamente, esclareçam que o programa da CSI não questiona a lógica capitalista e diz pretender «democratizar» e «humanizar» o FMI, o BM, ou a OMC5 .

Ora, na luta contra a crise do capitalismo, é necessário caracterizar e desmascarar o sistema e as suas nefastas consequências, tendo em vista a sua superação, com uma actuação (na teoria e na prática) cada vez mais forte e persistente dos trabalhadores, numa perspectiva de classe.

No espaço europeu, é fulcral denunciar os verdadeiros crimes sociais que a UE está a perpetrar contra os respectivos trabalhadores e povos, num iniludível retrocesso civilizacional. Ao contrário do caminho trilhado, os trabalhadores exigem uma ruptura com as políticas de direita da UE e uma Europa social e solidária, com Estados que garantam uma efectiva protecção social, serviços públicos de qualidade, que respeitem o papel e a intervenção dos sindicatos, recusando as políticas desenvolvidas e reafirmadas no Tratado de Lisboa.

Para tal, é imprescindível que as organizações sindicais dos diversos países europeus (e de todo o mundo), que entendem a luta de classes como o motor da história6, reforcem as centrais sindicais nacionais, sectoriais e regionais que defendem os mesmos princípios e a Federação Sindical Mundial (FSM)7 , central mundial de classe e anti-imperialista e, assim, potenciem as condições para o desenvolvimento de cada vez maiores lutas de massas, que perspectivem uma evolução progressista da humanidade.

Nunca é de mais reafirmar que existe alternativa ao capitalismo! É um mundo de onde seja banida a exploração do homem pelo homem.

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1 http://cgtp.pt//index.php?option=com_content&task=view&id=1359&Itemid=1
2 A fronteira entre esquerda e direita é aqui objectivamente definida consoante se defende, ou não – na teoria e na prática – o objectivo de superar o capitalismo e instaurar uma sociedade onde não exista a exploração do homem pelo homem. É, assim, óbvio, que os partidos socialistas e sociais-democratas da UE (ou os governos por eles formados) – que se dizem de esquerda e se mascaram com ideologia e princípios dúbios, mas impõem políticas de consolidação do capitalismo, anti-sociais e anti-trabalhadores, muitas vezes mais reaccionárias do que as de partidos que se afirmam de direita – não são de esquerda. Chipre, cujo governo segue uma orientação progressista, que se distancia das políticas neoliberais da UE, é a excepção que confirma a regra.
3 http://www.monthlyreview.org/598einst.htm
4 Eça de Queiroz, em “Cartas de Inglaterra” – Lello & Irmão, Editores, Porto, pág. 156
5 http://www.ituc-csi.org/spip.php?rubrique57&lang=es
6 Para a CGTP, ver Declaração de Princípios e Objectivos Programáticos dos Estatutos: http://www.cgtp.pt/index.php?option=com_content&task=category&sectionid=14&id=40&Itemid=46

7 Ver Estatutos da FSM em: http://www.wftucentral.org/?language=es

2009-06-30

* Presidente da Mesa da Assembleia-Geral do Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Financeira (SINTAF)

Fonte: ODiario.info

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