"Filipe Leandro Martins - Para a História do Socialismo", a coragem da crítica e auto-crítica (o meu comentário)



A partir do Prefácio do camarada Filipe Leandro Martins no livro "História do Partido Comunista da URSS (bolchevique) de 1938" (livro também conhecido como breve curso). Depois da citação faço alguns comentários.

Cito o saudoso camarada Leandro Filipe Martins a propósito das reacções dos comunistas e dos partidos comunistas e - verdade seja dita - especialmente do PCP em relação ao desenlace final da Perestroika com a dissolução e fim da União Soviética como tragédia mundial para o movimento comunista e operário mundial:

"Jamais se lerá, entretanto, neste «Breve Curso», uma expressão que indique que o socialismo seja irreversível. Tal vocabulário aparece mais tarde, num acesso, parece, de triunfalismo que, ao mesmo tempo, abriu a guarda a novos desvios que iriam desaguar na tragédia dos anos 80/90 do século passado.

Juízos apressados foram então produzidos acerca das razões da derrota.

Inesperados «ideólogos» pontificam à «esquerda» e recuperam a NEP, como receita milagrosa. Isto é, em lugar de considerá-la um recuo que permitisse novos e vigorosos avanços no caminho da edificação socialista, declaram-na como objectivo «final» dessa construção. Quer dizer não só limitam os objectivos do socialismo como sociedade em que as classes são chamadas a desaparecer, amputando-lhe o objectivo final do comunismo, como, parando a meio caminho, acabam favorecendo a recuperação capitalista. Outros desenterram as velhas críticas à direcção do partido soviético, liderada por Stáline, acerca das «violências» cometidas durante a colectivização da terra. Felizmente, habituados às calúnias semeadas contra os comunistas e os operários agrícolas da Reforma Agrária, estamos em posição de conhecer os alforges onde se fabricam tais «críticas».

Reunindo todas elas num único punhado, há por fim os que denunciam o «modelo» de socialismo, primeiro passo, efectivamente, para se libertarem dele como objectivo. Que modelo? O que presidiu à construção da mais humana das sociedades que existiram à face da Terra? Ou o modelo criado pelos desvios subsequentes aos ideais e projecto comunistas? Não esclarecer este ponto fulcral da apreciação das causas da derrota do socialismo na URSS é o mesmo que dizer que «o socialismo era bom mas não presta»…"

Quando o camarada fala da denúncia do modelo com toda a razão, aqueles que somos comunistas militantes do PCP e defensores sérios da URSS e do camarada Stalin devemos ter a humildade de denunciar como erro da maior gravidade (para não lhe chamar desvio de direita ou coisas piores) aquilo que são as resoluções do PCP nos anos 90 sobre o fim da URSS - nomeadamente a do célebre congresso extraordinário feito às pressas e outra subsequente. Essas resoluções que cobardemente não incluem o nome de Stalin e de qualquer outro dirigente soviético quando dirigem graves acusações aos dirigentes soviéticos de forma genérica - como que equivalendo por exemplo Stalin a Kruschev - são hoje "esclarecidas" pelo ideólogo revisionista (ideólogo dominante) do PCP, Albano Nunes, como acusações anti-estalinistas. E na realidade elas são tudo isso e não só (mentiras laudatórias ao "socialismo de mercado" por exemplo) mas o revisionismo triunfante que dirige, domina e destrói decisivamente o PCP actualmente faz a partir desses documentos a celebração do seu triunfo transformado na capitulação ao governo social-democrata do PS da chamada "geringonça". O que não devemos é perder o fio à meada desta história do PCP de erros, de erros a desvios e de desvios a traições. Temos de fazer um grande esforço para sermos racionais num contexto em que sendo nós humanos de carne e osso sofremos pressão constante das emoções que turvam o rigor científico da urgente e crucial análise histórica do PCP.

E ser racional é admitir que o que se fez nos anos 90 (com grandes responsabilidades dos mais históricos dirigentes do PCP) não foi salvar o partido da liquidação de direita realmente, porque essa salvação não era racionalmente e cientificamente possível guiada por tais documentos como o programa da "democracia avançada" (de 1988) e as tais resoluções sobre o fim da URSS nos anos 90. O que se faz tem outro nome: foi a conciliação com a ala direita revisionista do partido a fim do nefasto e ilusório objectivo de "perservar a unidade do partido". O que se perservou foi o cancro revisionista dentro do partido.

Mas este assunto merece uma abordagem mais serena que de seguida reproduzo aqui com o artigo do blog que fazer "Notas sobre a conjuntura em que foi aprovado o Programa do PCP que adoptou a Democracia Avançada".

Obrigado camarada Leandro pela coragem da crítica e auto-crítica. Deixo aqui a sua biografia:

"Filipe Leandro Martins faleceu dia 6 de Outubro, com 69 anos.

Nascido em Lisboa, a 28 de Janeiro de 1945, começou a trabalhar aos 14 anos, foi empregado de escritório, revisor tipográfico, ajudante de laboratório, funcionário judicial. Com apenas 16 anos aderiu ao Partido Comunista Português.

Como se salienta na nota publicada no jornal Avante!, de 9 de Outubro, «entre 1960 e 1964 teve uma presença activa nas lutas estudantis, tendo inclusivamente sido um dos fundadores da Comissão Pró-Associação dos Liceus».
«Integrou a Comissão Cultural da Academia Almadense, foi dinamizador dos suplementos juvenis dos jornais Diário de Lisboa e República e activista do movimento cineclubista, tendo feito parte igualmente do organismo do PCP
para o jornalismo juvenil.»

Em 1967, cumprindo o serviço militar, faz o curso de sargentos nas Caldas da Rainha, com especialidade de atirador. Mobilizado para a Guiné, segue o curso especial de minas e armadilhas.
Em 9 de Outubro de 1968, aproveitando as férias antes do embarque, deserta e vem a instalar-se na Bélgica, onde passa seis anos como exilado político. Com o objectivo de cursar jornalismo, inscreve-se na Universidade Livre de Bruxelas, que abandona logo depois. Passa por várias profissões, carpinteiro de decoração, operário têxtil, barman, educador numa instituição psiquiátrica para crianças autistas, empregado de limpeza, porteiro de hotel.
Em paralelo, como refere a citada nota, participa «na reestruturação da Associação de Portugueses Exilados Políticos», integrando «a direcção local do PCP, com a responsabilidade dos organismos do Partido para o trabalho associativo e para o acolhimento de desertores da guerra colonial».

Regressa a Portugal após o 25 de abril de 1974 e torna-se funcionário do PCP em Outubro de 1974, integrando o Secretariado e o Executivo da Comissão Concelhia de Setúbal.
Em 1976 entra para o jornal Avante!, do qual foi sub-chefe de redacção entre 1986 e 1995, passando a chefe de redacção, cargo que exerce até final de 2010.
Escritor de notável talento deixou uma obra de que fazem parte a novela Caça às Rolas (1979) e os romances O Pé na Paisagem (1981), A Pele Branca das Acácias (1986), Arqueologia Sentimental (1995), Via de Extinção (2003) e Face de Lado, Histórias Políticas (2006).

Como se assinala ainda na nota publicada no Avante!, Filipe Leandro Martins, foi membro do Comité Central do PCP entre 1988 e 2012. Actualmente integrava a Organização Concelhia de Setúbal do PCP e colaborava nas edições da União de Resistentes Antifascistas Portugueses. "

 Fonte: "Filipe Leandro Martins - Para a História do Socialismo" do site Para a História do Socialismo (em PDF)

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